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  • Renata dos Santos Bonatto

Nada será como antes

fundo com paisagem, folhas caindo, trecho do texto em destaque com nome da autora
trecho do texto em destaque

Quando uma pessoa morre, um pedaço de nós para de crescer. É como aquele galho de árvore que podamos no lugar errado e ele nunca mais cresce ou deixa de dar flor. Todos os momentos com aquela pessoa são interrompidos, todos os sonhos, conversas, risadas, abraços e vontade de estar perto deixam de ter um receptor. Aquele pedacinho do nosso mundo começa a desmoronar, nada será como antes.

Mesmo que a casa ainda esteja no mesmo lugar, os móveis, as plantas, os quadros , as fotos na sala de estar, parece que as paredes perdem a cor, os cômodos ganham espaço, o silêncio se faz mais presente. As pessoas se afastam, não por deixarem de terem afeto umas pelas outras, mas porque aquele ser que funcionava como cola e criava o grupo, não está mais ali. Para aqueles que não perdem o contato, ainda assim os encontros não são mais como antes. As músicas, que antes eram companhia, passam a incomodar os ouvidos. As refeições trazem, nas últimas garfadas dadas, um saborzinho amargo. Falta melodia, falta tempero, há um lugar vazio à mesa. Falta um sorriso, uma voz, uma combinação de roupas, um perfume, um vício, uma personalidade única. Parece que estava tudo bem, até a memória nos pregar uma peça e completar o vazio com a imagem de quem deveria estar ali. Os olhos perdem o foco, parecem piscinas enchendo de água, a saliva entala na garganta, assim como as palavras e o ar, respirar dói, aperta, quem dera essa dificuldade fosse por usar uma peça de roupa apertada. Talvez seja uma roupa apertando, mas uma peça que ninguém vê, não dá pra tocar, não há como se despir dela.

Nada será como antes e isso dói, não a dor sentida por quem bate o cotovelo na parede, nem a dor sentida quando se encosta a mão na panela quente. É uma dor que arrepia, faz o ar ficar difícil de respirar, faz o estômago se revirar, os pés e as mãos suarem, as pernas perderem a força, ao mesmo tempo em que dá para sentir o coração acelerado, parece que ele tá parando de bater. Antes fosse somente uma dor de cotovelo. Tristeza, raiva e culpa se misturam, mesmo que tenha sido o melhor para aquela pessoa parar de sofrer, mesmo que já soubéssemos que este dia chegaria, não importa, este pedaço de nossa vida não irá mais crescer, é como o galho cortado no lugar errado. Aquela ponta não cresce mais, não floresce mais, ela fica do jeito que a deixamos.

Nada será como antes...e por que deveria ser? Aquele pedaço de nós não irá mais crescer e, por um tempo, seja lá quanto tempo for, só conseguiremos olhar para aquele galho cortado, só veremos um pedaço, as piscinas nos olhos se enchendo, o arrepio, o ar que parece sumir. Seja lá quanto tempo for, um dia os olhos piscam e as piscinas começam a se esvaziar, parece que o galho cortado faz parte de algo maior. Vemos todos os outros galhos, o tronco, as folhas crescendo, as flores se abrindo, os pássaros cantando. O vento sopra e derruba folhas no chão, quem diria que raízes tão fortes pudessem estar ali.

Nada será como antes, o galho estará para sempre cortado, não crescerá mais. Contudo, se olharmos para o todo em que aquele galho se conecta, veremos que ainda há vida pulsando, ainda há partes crescendo, as raízes estão fortes no chão. Nada será como antes, mas aquele pedacinho sempre estará ali, do jeito que ficou, com as ranhuras que adquiriu ao longo do tempo. Quem sabe algum dia um passarinho não resolve pousar ali e cantar novamente?


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